segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Aliança de ONGs cobrará do governo compromissos para a Década de Ação pela Segurança no Trânsito .

A construção de uma aliança de organizações da sociedade civil para somar forças e cobrar do governo brasileiro os compromissos firmados para a Década de Ação pela Segurança no Trânsito (2011-2020) foi o principal resultado prático do Workshop sobre Advocacy da Segurança Viária para ONGs, promovido pelo Global Road Safety Partnership (GRSP) na sede da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), em Brasília, em 2 e 3 de dezembro de 2013. A Década foi instituída pela ONU com a meta global de reduzir pela metade a morbimortalidade no trânsito no mundo.
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Os 20 representantes das 16 ONGs que participaram do encontro receberam dos especialistas do GRSP, Raoul Powlowsky e Ryan Duly, um treinamento sobre como fazer advocacy, isto é, como se mobilizar para introduzir a questão na agenda política de todas as instâncias de governo, estimulando a tomada de decisões, a criação e implementação de leis e o desenvolvimento de planos e ações de curto, médio e longo prazos.
O efeito foi rápido: convencidos de que a sociedade precisa se mobilizar para pressionar o governo a dar prioridade ao problema, os representantes das ONGs decidiram criar a Aliança Brasileira de Organizações da Sociedade Civil pela Vida no Trânsito (Abrot). Uma Carta de Intenções foi redigida em conjunto e será divulgada em breve, após ter sido assinada pelas organizações. A Aliança está aberta a adesões.
Uma das principais preocupações explicitadas no encontro é o contingenciamento dos recursos de 5% da arrecadação do seguro obrigatório DPVAT e do Fundo de Segurança no Trânsito (Funset) que o Denatran recebe e que deveriam estar sendo aplicados em programas de educação no trânsito e ações de prevenção de acidentes e crimes de trânsito.
Outra demanda é o cumprimento das leis vigentes. Muitas leis não saem do papel ou “não pegam” porque não são devidamente divulgadas, promovidas, cobradas e fiscalizadas. Apesar de a legislação brasileira poder ser considerada boa se comparada à de outros países, os participantes manifestaram o desejo por leis e regulamentações mais rígidas, que possam ajudar a proteger a vida no trânsito.
É expectativa das ONGs, ainda, o apoio do governo às suas ações, mantendo-se a identidade de cada uma.
Passados dois anos e sete meses do início da Década, a impressão geral é de que muito pouco se avançou. O foco mais claro do governo foram as ações de marketing do Pacto Nacional pela Redução de Acidentes (Parada), do Ministério das Cidades/Denatran, que não chegaram a convencer os militantes da causa sobre o real ensejo do governo no cumprimento das metas da Década.
Uma linha de ação governamental promissora, o Projeto Vida no Trânsito, do Ministério da Saúde, que teve experiências-piloto bem-sucedidas em cinco capitais em 2011 e 2012, foi estendido a todas as capitais no fim de 2012, com a divulgação de investimentos da ordem de R$ 12,8 milhões. O projeto, porém, não ganhou a mesma ênfase em 2013. Resultados ainda não foram divulgados e a sociedade não sabe o que de fato vem sendo feito nos municípios e como, e se há monitoramento e avaliação das ações.


Advocacy para mudar políticas

Participaram do workshop representantes das ONGs Cultura de Paz/A Barraca, do Tocantins; Fundação Thiago Gonzaga/Vida Urgente, do Rio Grande do Sul; Trânsito Amigo e Associação por Vias Seguras, do Rio de Janeiro; Instituto Paz no Trânsito, do Paraná; Aspamoto, do Pará; Apetrans, do Piauí; Rodas da Paz, Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito e Rua Viva, de Brasília; Instituto Trânsito Seguro, de Ipatinga/MG; Apatru, de São José do Rio Preto/SP; e Criança Segura, Ciclo Cidade, Observatório de Segurança Viária e Viva Vitão/Não Foi Acidente, de São Paulo.
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Em sua fala no primeiro dia do evento, Ryan Duly ressaltou a importância de se trabalhar com planos de advocacy e boas metodologias para mudar políticas. Ele destacou a eficácia da “advocacy baseada em evidências”, isto é, calcada em dados científicos, para convencer políticos, a mídia e parceiros potenciais.
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“É preciso mostrar que está cientificamente comprovado que a segurança viária pode reduzir mortes e lesões no trânsito e provar que os investimentos em prevenção de acidentes dão grandes retornos econômicos, sociais e na saúde”, disse. Duly (na foto, com o microfone) mencionou ainda a relevância da defesa do componente ético das medidas.
Raoul Powlowsky (à esquerda) explicou que a Década representa a consolidação de um esforço no qual as responsabilidades são integradas. Para tanto, é necessário definir quem deve se envolver e formular estratégias de ação para abordar os fatores de risco com os respectivos alvos.
Segundo o palestrante, evidências mostram que só educação e campanhas de marketing não são suficientes para mudar o quadro: é preciso ter boas leis e fiscalização.
Um exemplo é a velocidade: uma redução de 5% diminui em 30% a mortalidade em acidentes. “É preciso ter certeza de que os motoristas sabem dos limites de velocidade, ter câmeras de monitoramento e forte fiscalização policial”, afirmou.
Powlowsky esclareceu que a epidemia das mortes e lesões no trânsito é global e lembrou doscinco pilares de ação da Década - gestão da segurança do trânsito, infraestrutura e mobilidade, veículos mais seguros, usuários mais seguros e atendimento às vítimas.
“O Brasil não está sozinho nessa epidemia. Morrem por ano, no mundo, 1,24 milhões de pessoas e outras 50 milhões ficam feridas. São 3.400 mortes por dia, o que equivale a 11 jumbos cheios. É a oitava causa de morte no mundo e a primeira na faixa entre 15 e 29 anos. Os países pobres ou em desenvolvimento concentram 90% das mortes, apesar de terem 52% da frota”, disse. Ele acrescentou que o Brasil figura em terceiro lugar no ranking e atribuiu esse mau resultado em parte às boas estatísticas que o país teria, em comparação às de outros países.
Representante da ONG Trânsito Amigo, Fernando Diniz questionou a afirmação de que o Brasil teria bons dados: “Os números oficiais do governo - 43 mil mortos – não representam a realidade, pois não batem com os da Seguradora Líder, administradora do DPVAT, que pagou 61 mil seguros.”
Luiz Otávio Maciel Miranda, consultor do GRSP, informou que a Política Nacional de Trânsito está sendo revisada sob a perspectiva da Década e deverá entrar em vigor em 2014. Ele mencionou um estudo feito em conjunto por três universidades brasileiras e coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, cujo resultado é uma proposta para a gestão do trânsito.
Victor Pavarino, consultor da Opas, ressaltou a necessidade da educação para o trânsito, que também teria o papel de emancipar a sociedade para que possa reivindicar ações do governo. “Se a questão do trânsito não for prioritária para a sociedade, não será para o governo”, afirmou.
Diza Gonzaga, da Fundação Thiago Gonzaga, discordou. Para ela, a questão já está na pauta da sociedade e é o governo se omite. “A sociedade ainda não tem muitos mecanismos, mas a segurança no trânsito é sim prioridade para ela. As chamadas 'Estrada do Inferno' e 'Curva de Morte' não são fatalidades, são falhas de engenharia. E campanhas pontuais em vésperas de feriado gastam muitos recursos e não surtem o efeito necessário”, criticou.
Fernando Diniz reforçou: “A forma hipócrita de abordagem do governo alimenta uma guerra que mata mais de 60 mil por ano.”
Ryan Duly ressaltou que o objetivo do workshop era justamente tentar entender por que a questão não é estratégica para os formuladores de políticas e buscar motivações para convencê-los a mudar de postura e introduzir a segurança no trânsito na agenda política. Segundo Duly, mostrar aos governos exemplos de outros países que adotaram políticas bem sucedidas pode ser uma boa estratégia. Para ele, outro problema a ser enfrentado é de accountability (prestação de contas). “Ninguém é responsável, ninguém cuida”, lamentou.
O estatístico David Duarte Lima, representante do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito e professor de Epidemiologia em Segurança no Trânsito da UnB, demonstrou grande preocupação com as verbas contingenciadas no Denatran. “São mais de R$ 3 bilhões de reais parados. Dinheiro para o trânsito tem, e parte do advocacy que devemos fazer é para colocá-lo nos municípios. Precisamos de estratégia e plano de ação para alocar esse dinheiro em favor da segurança no trânsito”, enfatizou.
Fernando Diniz arrematou: “A Seguradora Líder, com o Seguro DPVAT, encaminhou ao Denatran R$ 690 milhões em 2012. Precisamos cobrar das autoridades que este dinheiro seja revertido para prevenção e educação no trânsito. Queremos transparência para saber de que forma esse dinheiro foi gasto.”


Velocidade, problema unânime

Num exercício para desenvolver estratégias de advocacy, os participantes foram divididos em três grupos. Foi proposto que cada um escolhesse um tema como foco de atuação e fizesse um plano de ação. Todos os grupos escolheram velocidade.
Os participantes defenderam a criação de leis que reduzam a velocidade máxima em vias urbanas. Cada grupo pensou que gestores deveriam procurar e que argumentos usar com eles, de acordo com as motivações que os movem. Um grupo propôs ao prefeito fictício a redução da velocidade máxima para 50 km/h em avenidas e 30 km/h em ruas de bairros, como já ocorre em outros países. Outro preferiu propor uma lei nacional, e dirigiu seus esforços de advocacy ao Congresso.
O evento também teve espaço para reflexões filosóficas. Para Nilton Gurman, da ONG Viva Vitão/Não Foi Acidente, o problema vai além da velocidade: “Precisamos discutir a valorização do automóvel sobre o ser humano.” A observação teve ampla concordância, principalmente dos representantes de ONGs com enfoque em mobilidade urbana.
Ao fim do evento, o diretor da Agência Andi, Veet Vivarta, discutiu com os participantes o papel da mídia e como melhor aproveitar os meios de comunicação para promover a causa.
Este foi o segundo evento de advocacy para ONGs promovido pela GRSP e Opas. Ao fim doprimeiro encontro, realizado em agosto, os participantes decidiram pela criação de um grupo no Facebook (ONGs pela Paz o Trânsito). O grupo tem servido para manter todos em contato constante, promovendo a troca de informações e articulações com o objetivo comum de reduzir a violência no trânsito.

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