Barbeiro, ruim de roda, meia roda, pitoco são apenas alguns adjetivos pejorativos que muitas pessoas usam no dia a dia para se referir aos motoristas com dificuldades para dirigir. Será que alguém tem orgulho de ser desqualificado dessa forma e ser considerado o pior motorista do Brasil, ainda mais em rede nacional?
Quem já assistiu ao quadro Ruim de Roda, aquele que procura pelo pior motorista do Brasil, que promete 15 minutos de fama em rede nacional e até prêmios para os piores motoristas, divide opiniões.
Há quem prefira levar pelo lado da gozação, da brincadeira e da irreverência um assunto tão sério que é a segurança dessas e outras pessoas no trânsito. Outros, entendem que o quadro presta um desserviço porque reforça negativamente o comportamento de quem não está preparado para dirigir num trânsito cada vez mais exigente de perícia e prudência. Afinal, deveríamos ter orgulho de sermos bons motoristas e não de sermos ruins de roda.
Chama à atenção o texto que convida a participar da atração no site oficial da emissora: inicia perguntando quem conhece alguém que “dirija mal” e que o programa está à procura do pior motorista do Brasil, daquela pessoa que todo mundo tem medo de pegar carona e que é o mais odiado no trânsito.
Odiado, ódio, palavras fortes demais para se referir às emoções das pessoas num trânsito cada vez mais violento e carente de tolerância e humanização!
Pensando bem, quem será, na verdade, o mais odiado no trânsito? O motorista que tem dificuldades para dirigir ou o que pensa que dirige melhor que os outros e comete imprudências, freia em cima dos outros carros, não dá seta nas manobras, ultrapassa em local proibido, fura sinal vermelho, o que dirige depois de beber ou que outro? Muitos apontariam os motoboys.
A chamada que valoriza o “ruim de roda” diz que vale até entregar a mãe que sempre dá um esbarrãozinho com o carro na hora da sair da garagem, aquela prima que não anda a mais de 30 km/h em via pública e que vale tudo, só não pode ser bom de roda.
Lendo o regulamento do programa, a emissora proíbe a participação de recém-habilitados, de condutores com CNH cassada, apreendida ou com o direito de dirigir suspenso. O motorista deverá possuir condições físicas e psicológicas suficientes para a participação no quadro, e informar quaisquer problemas de saúde.
O item 5 do regulamento diz que os participantes concordam que estão sujeitos a todo e qualquer risco que venham a correr, inclusive de acidentes, ou qualquer outro tipo de risco à integridade física e psicológica imediatas ou futuras que decorram da participação no quadro. Também concordam de isentar a emissora de toda e qualquer responsabilidade oriunda do acontecimento de qualquer dos eventos mencionados.
O grande prêmio para quem se orgulha de não ser um bom motorista é um troféu, o título de “Ruim de Roda”, bens móveis que variam de R$ 1 a R$ 5 mil e a realização de um curso de direção em Centro de Formação de Condutores oportunamente indicado e acompanhado pela rede de televisão.
Sinceramente? Tal quadro é exibido desde abril de 2012 e nunca vi uma matéria mostrando o acompanhamento no CFC desses motoristas ou o quanto eles passaram a ser “bons de roda”.
Talvez, porque essa não seja mesmo a finalidade do programa: resgatar os motoristas com dificuldades para dirigir nas ruas, pagar curso de direção defensiva no CFC e depois mostrar o ato benemérito que contribui para um trânsito mais seguro.
Trazendo o foco dessa atração de tevê para o cotidiano e para a formação de condutores no Brasil, o que o quadro “Ruim de Roda” nos mostra? O quanto os motoristas estão sendo mal formados? Que é bonito, que se deve ter orgulho de ter dificuldades para dirigir e que ser reconhecido nacionalmente como o pior motorista do Brasil é motivo para ganhar troféu, título e até prêmios?
Não sei se é a ingenuidade ou o desejo de aparecer na televisão que está levando esses motoristas a enviarem centenas de vídeos para se inscrever no programa e lutarem por serem reconhecidos como “ruins de roda, os piores motoristas do Brasil ou os mais odiados” como os considera a emissora em questão.
Sinceramente, não vejo que isso seja motivo de orgulho para nenhum motorista, mas sim, de preocupação para eles e para a sociedade. Afinal, o mesmo “ruim de roda” que se aplaude num programa de tevê pode ser aquele que vai nos envolver num acidente.
Pode ser que muitos se divirtam e deem boas gargalhadas, façam piadas com a falta de perícia e de habilidade desses motoristas em rede nacional nas tardes de sábado e até se identifiquem ou a pessoas próximas. Mas, eu sinto vergonha.
Vergonha do reforço negativo que premia motoristas com dificuldades para dirigir, da inversão de valores quando se deveria incentivar os motoristas bons de roda (e não o contrário), pois são esses que vão tornar o trânsito mais seguro.
Vergonha de ver tantos motoristas que precisam de ajuda sendo ridicularizados porque são esses condutores sem perícia para dirigir que correm mais riscos de provocar acidentes, e a própria emissora deixa essa possibilidade bem clara aos participantes, tanto que se isenta de prejuízos atuais e futuros.
Quando perguntado pelo apresentador se é mais difícil dirigir nas ruas ou nos autódromos, um piloto profissional dá a entender que nas ruas é mais complicado por causa dos ruins de roda. Esses, que ironicamente, a própria emissora incentiva e premia.
Num país em que os acidentes matam mais que o câncer e que as guerras no Oriente Médio é lamentável ver a mídia caminhando na contramão e tantos motoristas alienados.
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