Segundo o dicionário Caldas Aulette, óbvio é tudo aquilo que está na cara, debaixo do nariz; o que é manifesto, patente, indubitável. Resumindo: tudo que é evidente.
O teatrólogo Nelson Rodrigues foi mais longe ao inaugurar em 1950 a expressão “óbvio ululante” para se referir a algo que, de tão “na cara” e patente, chega a ulular. Ou seja, chega a ser como o ganido prolongado de cães e lobos e que não tem como passar despercebido.
Mas que será que existe o óbvio nas campanhas preventivas e educativas de trânsito ao ponto de dispensá-las, de não considerá-las necessárias?
Tomemos o caso de alguns tipos de acidentes de trânsito mais provocados como o choque, o abalroamento e o atropelamento. O choque é um tipo de acidente gravíssimo em que o condutor perde o controle do carro e se choca contra um objeto fixo.
Parece óbvio que perder o controle do carro vai bater em alguma coisa ou atropelar uma pessoa na calçada ou esmagá-la contra um muro? Sim. Mas, isso não deveria ser motivo para não se fazer campanhas educativas e preventivas que estimulem a aprendizagem de comportamentos seguros e defensivos.
Parece óbvio, todo motorista deveria saber que não dar seta na transposição de faixa ou na ultrapassagem causa acidente? Sim. Óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues. Mas, quando esse óbvio começa a ser recorrente ao ponto de tornar-se a principal causa de acidentes em alguns municípios? Será que não requer uma ação educativa e preventiva urgente?
Muitas pessoas e idosos morrem diariamente após os atropelamentos. Alguns, porque atravessam há alguns metros da faixa de pedestres. Se estivessem atravessando em cima da faixa seriam atropelados? Talvez. Mas, isso parece tão óbvio que dispensa uma ação educativa e preventiva voltada para a aprendizagem de comportamentos seguros e defensivos?
Não bastam campanhas óbvias, daquelas que faz muita gente pensar: “para quê gastar um dinheiro que não se tem com uma mensagem tão óbvia para que o pedestre atravesse na faixa e para que o motorista redobre os cuidados ao se aproximar delas se isso todo mundo deveria saber?”
Só que o óbvio, leitores, pode não ser tão óbvio assim. Pelo tanto que se atropela, pelo tanto de pedestres que atravessam fora da faixa e de motoristas que ignoram os devidos cuidados com as pessoas com algum tipo de mobilidade reduzida como os idosos, gestantes, deficientes, crianças e outros, a questão é: inovar nas campanhas educativas e preventivas de trânsito.
Campanhas inovadoras que vão além de dizer que o idoso é mais lento no trânsito, por exemplo, e que informem que aos 65 anos uma pessoa já enxerga 80% menos que uma pessoa de 30 anos. Quem sabe isso ajude a esclarecer sobre as dificuldades do pedestre idoso e contribua para acabar com aquele discurso óbvio de que a culpa é sempre do pedestre que não respeita os carros e se atira em cima da faixa (embora existam muitos).
Quem sabe, esclarecer a população, o motorista e o próprio pedestre idoso que a idade avançada compromete e impede de reconhecer objetos em movimento e encurta o campo visual e a visão periférica, possa sim, fazer a diferença.
Esclarecer que nem todo idoso é surdo, mas que a audição fica comprometida para frequências mais altas, quem sabe, seja uma forma de esclarecer à toda a população que, muitas vezes, por causas naturais, óbvias, ele possa não ouvir a buzina que antecede o acidente.
Explicar aos motoristas e pedestres a mobilidade reduzida de uma gestante, de um cadeirante que não passa de 6km/h numa cadeira de rodas e de uma pessoa que se movimenta em 2km/h numa muleta ou andador no trânsito, quem sabe, possa sim, tornar motoristas e ciclistas mais tolerantes e solidários com os pedestres de uma maneira geral.
Também parece óbvio, pelo menos nos discursos, que o trânsito é feito de pessoas, pelas pessoas e para as pessoas, mas o óbvio ululante é que as cidades que cresceram mal planejadas continuam reproduzindo esse ciclo de falta de planejamento e ainda priorizam os automotores e colocam as pessoas em segundo plano.
Não basta fazer campanhas educativas e preventivas de acidentes só por fazer ou deixar de investir nelas porque a mensagem parece óbvia. O que vai fazer a diferença é a qualidade da mensagem, da linguagem utilizada e o foco da campanha.
Já no século XVII parecia óbvio que ao sentar-se à sombra das macieiras uma maçã fosse cair sobre as cabeças. Mas, só Isaac Newton se perguntou porquê, e desde então, a humanidade conheceu a teoria clássica da gravidade.
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