Quem é professor sabe que com frequência nos deparamos com perguntas dos alunos que nos levam a refletir, pesquisar e rever certos conceitos. Recentemente ao explicar em um curso de reciclagem para condutores infratores sobre a penalidade de advertência por escrito um aluno levanta o braço e pergunta: professor, por que nunca soube de ninguém que recebeu essa advertência? Por que recebemos a multa direto mesmo quando atendemos todos os requisitos que o senhor explicou? Confesso que fiquei sem palavras, pois a resposta não era tão simples assim e decidi então pesquisar.
Após algumas semanas de pesquisas, este breve estudo, tem a pretensão de verificar se é obrigatória ou não a aplicação da penalidade de advertência por escrito quando atendidos os critérios estabelecidos pelo artigo 267 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB.
Inicialmente cabe destacar que dentre as penalidades previstas no artigo 256 do Código de Trânsito Brasileiro, além das multas, suspensão e cassação da Carteira Nacional de Habilitação, que são notórias, temos também a Advertência por Escrito que nas palavras do Advogado Marcelo José Araújo “há ainda a sempre esquecida advertência, que, apesar de prevista, nunca se viu ser aplicada”.
Então vejamos o que dispõe o artigo 267 do CTB a respeito da penalidade de advertência por escrito.
"Art. 267. Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa." (grifo nosso)
Cabe destacar que o caput do artigo 256 prevê que “A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar...”. Ainda, a redação do artigo 267 citado acima, prevê que “poderá ser imposta...quando a autoridade...entender esta providência como mais educativa”. Sendo assim, a advertência por escrito só poderá ser aplicada pela autoridade de trânsito e não pelos agentes da autoridade de trânsito .
Esta observação é importante, pois sou frequentemente questionado, inclusive por colegas profissionais, sobre o porquê de o agente de trânsito no momento da fiscalização não aplicar a advertência por escrito. Ressalta-se que ao agente da autoridade de trânsito cabe cumprir o previsto no caput do artigo 280 do CTB “Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará...”, ou seja, a ele só cabe lavrar o auto de infração e a autoridade de trânsito deverá decidir sobre qual penalidade deve aplicar, advertência ou multa.
Inclusive este entendimento é reforçado pelo Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito aprovado pela Resolução 371/2010 do CONTRAN. O item 4 do referido manual ao tratar do agente da autoridade de trânsito prevê que “A lavratura do AIT é um ato vinculado na forma da Lei, não havendo discricionariedade com relação a sua lavratura, conforme dispõe o artigo 280 do CTB” (grifo nosso). Assim, não cabe escolha, uma vez constatada a infração lavrar-se-á o respectivo auto na forma da lei.
É bom esclarecer que a advertência prevista nos artigos 256, I e 267 do CTB não é a advertencia verbal prevista no já revogado Código Nacional de Trânsito. O Decreto nº 62.127, de 16 de janeiro de 1968 que aprovou o Regulamento do Código Nacional de Trânsito - RCNT, trazia como previsão no artigo 188, inciso I e parágrafo único que o agente da autoridade de trânsito poderia aplicar a advertência verbal nos casos de infração dos grupos 3 ou 4 e entendendo a conduta como involuntária e sem gravidade.
"Art 188. A advertência será aplicada:
I - Verbalmente, pelo agente da autoridade de trânsito, quando, em face das circunstâncias, entender involuntária e sem gravidade infração punível com multa classificada nos grupos 3 e 4; (grifo nosso)
Parágrafo único. A advertência verbal será, obrigatoriamente, comunicada à autoridade de trânsito pelo seu agente, por escrito."
Observa-se que mesmo aplicando a advertência verbal, por força do parágrafo único citado acima, o agente de trânsito deveria obrigatoriamente comunicar a autoridade de trânsito por escrito que advertiu aquele condutor.
O professor Cássio Mattos Honorato destaca que, como sugestão, a advertência verbal poderia ser aplicada no ato da fiscalização pelos agentes de trânsito, pois observa-se que é prática habitual e inclusive recomendável para proteção da vida e à integridade física da pessoa , conforme § 1º, do art. 269 do CTB. Segundo Honorato não é raro constatar policiais militares orientando e advertindo verbalmente usuários das vias terrestres. Para o autor, seria fundamental a inclusão da advertência verbal junto ao rol de providências administrativas que poderiam ser aplicadas como reprimenda educativa pelos agentes da autoridade de trânsito no caso de infrações sem gravidade, como leve e média.
Após esses breves comentários sobre a penalidade de advertência por escrito, já podemos destacar que a mesma só pode ser aplicada pela autoridade de trânsito e não deve ser confundida com a extinta advertência verbal.
Apesar de estar prevista no CTB desde 1998 a advertência por escrito não é aplicada pela maioria dos órgãos executivos de trânsito. Muitos justificam que não aplicam por falta de regulamentação, outros que a aplicação é facultativa e não obrigatória ou, o que é pior, porque o “sistema” não permite.
Da leitura do texto legal do artigo 267 do CTB se conclui que nem todo condutor autuado pode ou deve ser beneficiado com a pena de advertência por escrito, já que existem critérios objetivos e subjetivos estabelecidos para a sua concessão.
1) Objetivos: a infração deve possuir natureza leve ou média; estar prevista a penalidade de multa; o infrator não pode ter sido reincidente na mesma infração nos últimos doze meses;
2) Subjetivos: análise do prontuário do infrator para ver se, no caso, a advertência é a penalidade mais educativa.
Ante o exposto, o questionamento que se faz é: atendidos todos os critérios objetivos e subjetivos do artigo 267 do CTB a autoridade de trânsito é obrigada a aplicar a penalidade de advertência por escrito? Caso não aplique, basta à simples negativa ou deve motivar sua decisão?
Optei por iniciar a busca por esta resposta junto ao Conselho Estadual de Trânsito - CETRAN dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Nada melhor do que verificar a posição deste órgão normativo em cada Estado, uma vez que o CETRAN é o órgão consultivo e normativo estadual encarregado de responder a consultas relativas à aplicação da legislação de trânsito e dos procedimentos normativos no respectivo Estado.
Na página do CETRAN/PR na internet não encontrei nada a respeito do assunto, pelo visto o mesmo ainda não tem uma posição firmada sobre o tema. Na página do CETRAN/RS encontrei apenas o parecer 05/2010 de 08/09/2010 que afirma que “a autoridade competente poderá ao analisar o auto de infração de trânsito, transformar em advertência a penalidade administrativa, de forma motivada e desde que preenchidos os requisitos legais e regulamentares”. Tal entendimento não ajuda muito em nossa pesquisa. Na página do CETRAN/SC, encontrei várias discussões sobre o tema, das quais passo a destacar.
O CETRAN/SC vem discutindo o tema desde 2005, quando editou a Resolução nº 10/2005 que possui apenas 3 artigos, dos quais cabe destacar.
Art. 1º Nas hipóteses em que o Código de Trânsito Brasileiro prevê a aplicação de penalidade de advertência, a autoridade de trânsito deve justificar o motivo pelo qual deixou de fazê-lo. (grifo nosso)
Art. 2º As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações e o Conselho Estadual de Trânsito considerarão em suas decisões a falta de motivação do ato da autoridade de trânsito que deixar de aplicar a penalidade de advertência, sujeitando esse ato ao reconhecimento da nulidade. (grifo nosso)
Percebe-se pelo exposto acima que o entendimento do CETRAN/SC é de que a autoridade de trânsito ao deixar de aplicar a penalidade de advertência por escrito, quando atendidos os requisitos do artigo 267 do CTB deve motivar seu ato sob pena de nulidade do mesmo. No artigo 2º da citada resolução estabelece que a JARI e o CETRAN ao julgarem os recursos devem analisar a falta de motivação e declarar nulo o ato, deferindo o recurso e arquivando a multa.
O assunto voltou a ser discutido em 2011 pelo CETRAN/SC dando origem ao parecer 141/2011 que teve como relator o conselheiro José Vilmar Zimmermann. Um dos pontos principais da discussão foi se a autoridade de trânsito deve fundamentar a não aplicação da penalidade de advertência por escrito (independente de solicitação) em todos os casos em que estejam atendidos os requisitos do artigo 267 do CTB, para só então emitir a imposição da penalidade multa.
Para o relator senhor Zimmermann a autoridade de trânsito deve motivar a não aplicação da penalidade de advertência por escrito por força do previsto no artigo 52, inciso I da Lei Federal 9784/99 e ainda argumenta que: “Contudo, se os pressupostos objetivos estiverem presentes, não é lícito à autoridade de trânsito se esquivar de dizer por que optou por impor a penalidade mais gravosa, considerando o seu prontuário”.
A conclusão do parecer 141/2011 traz alguns pontos polêmicos, pois por maioria de votos foi aprovado que a autoridade de trânsito é obrigada a motivar a não aplicação da penalidade de advertência por escrito, mesmo quando não houve solicitação da parte interessada, ou seja, em todas as infrações leves ou médias para impor a penalidade de multa a autoridade de trânsito deve motivar sua decisão sob pena de nulidade da mesma.
Quando a infração cometida for de natureza leve ou média e não constarem do prontuário do condutor/infrator nenhuma outra infração nos doze meses anteriores, a Autoridade de Trânsito somente pode aplicar a pena de multa em vez da advertência se motivar sua decisão, mesmo que o infrator não tenha impetrado a defesa da autuação, a fim de garantir o contraditório e a ampla defesa quando pretender recorrer à JARI da penalidade que lhe foi imposta.
Ainda o parecer determina que “Caso seja atribuída a penalidade de multa sem a devida motivação, deve a JARI cancelar esta penalidade, devido à impossibilidade de se alterar ou abrandar a sanção, conforme descrito acima”.
O presente parecer gerou várias discussões, inclusive teve o voto divergente do conselheiro EDUARDO BARTNIAK FILHO (que acabou sendo vencido), pois para este só há obrigatoriedade da autoridade de trânsito motivar a não aplicação da penalidade de advertência por escrito quando existir uma requisição formal da parte interessada.
Entendo que a interpretação acima exposta do conselheiro EDUARDO BARTNIAK FILHO (mesmo sendo voto vencido) é a mais adequada. Para reforçar esse entendimento destaco as palavras de Julyver Modesto de Araújo
"Entendo, primeiramente, que o “poderá” indica que não se trata de ato de ofício da autoridade, ou seja, não deve o órgão de trânsito aplicar, indistintamente, a advertência por escrito a todos os casos enquadrados no artigo 267, mas deve analisar sua viabilidade quando provocado." (grifo nosso)
É necessário, ainda, analisar que no mês de junho de 2012, novas mudanças foram promovidas no que tange a penalidade de advertência por escrito pela Resolução do CONTRAN nº 404/2012, que revogou a Resolução nº 363/10 e, a partir de 01/01/2013, revogará e substituirá a Resolução 149/03.
A partir de agora a penalidade de advertência por escrito passa a ter uma regulamentação específica conforme o artigo 9º da Resolução nº 404/12, tendo sido prevista a possibilidade de sua imposição, em substituição à penalidade de multa, ocorrer de ofício ou mediante solicitação do interessado, no período destinado à Defesa da autuação, antes que haja a imposição da penalidade multa.
Ainda nas palavras do renomado autor Julyver Modesto de Araújo o CONTRAN entendeu que a advertência por escrito, além de eliminar o fator pecuniário da sanção de multa, também não deve implicar em pontuação no prontuário do infrator.
O § 5º do artigo 9º da Resolução 404/12 prevê que o DENATRAN deverá disponibilizar transação específica para registro da penalidade de advertência por escrito no RENACH e no RENAVAM, bem como acesso pelos órgãos integrantes do SNT as informações contidas nos prontuários dos condutores e veículos.
Enquanto tal acesso não estiver disponível o § 12 do artigo 9º prevê que a autoridade de trânsito pode aplicar a penalidade de advertência por solicitação da parte interessada, que deverá juntar, ao requerimento, certidão de prontuário, emitida pelo órgão executivo de trânsito de registro de sua Carteira Nacional de Habilitação.
Essas considerações, evidenciam que o assunto vem gerando discussões há algum tempo e alguns Estados como Santa Catarina, por exemplo, já vem aplicando a penalidade de advertência por escrito e outros (a maioria) até hoje nunca aplicaram.
Sendo assim, entendo que a Administração Pública é obrigada a seguir o princípio da legalidade previsto no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O artigo 2º da lei 9784/99 obriga que além de seguir o princípio da legalidade, a Administração Pública deve seguir também o princípio da motivação, pois, uma vez que a vontade do legislador é de que quando atendidos os requisitos do artigo 267 do CTB seja aplicada a penalidade de advertência por escrito, só cabe a Administração Pública cumprir, uma vez que a lei representa o interesse da coletividade.
Vamos a um exemplo, o condutor comete uma infração média de transitar em excesso de velocidade em até 20% acima da máxima permitida para a via (art. 218, I do CTB) e no seu prontuário de condutor nunca teve outra infração. Em 3 anos de condutor nunca registrou nenhum ponto em seu prontuário. Qual a motivação neste caso para negar a aplicação da penalidade de advertência por escrito em substituição da penalidade multa?
Alguns órgãos de trânsito, infelizmente, entendem que aplicar a penalidade de advertência por escrito, seria deixar de arrecadar. Importante saliente que arrecadação não é o objetivo do CTB. O CETRAN/PR através da Resolução 05/2011 pág. 16 é claro ao tratar dos objetivos dos órgãos que compõe o SNT ao frisar que “O objetivo central do sistema não é arrecadação e nem aplicação de multas, mas proporcionar serviços para os pedestres e usuários das vias em geral, para que possam usufruir o direito a um trânsito seguro e organizado”. (grifo nosso)
Além do mais, o artigo 320 do CTB já é claro na destinação do dinheiro arrecadado com a aplicação de multas.
"Art. 320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito." (grifos nosso)
Uma parte das receitas provenientes de multas deve ser revertida à educação de trânsito e a penalidade de advertência por escrito deve ser vista como uma medida educativa. Nas palavras do Julyver Modesto de Araújo “a essência da advertência por escrito é uma forma de chamar a atenção, de puxar as orelhas do infrator de trânsito”.
É chegada a hora de mudar a visão sobre a penalidade de advertência por escrito, pois ela é uma importante ferramenta para demonstrar à comunidade que o objetivo dos órgãos fiscalizadores não é apenas arrecadatório como muitos pensam. É uma forma de demonstrar que estes estão preocupados com a mudança de comportamento dos usuários da via.
Retomando a discussão inicial sobre a obrigatoriedade ou não da autoridade de trânsito aplicar a penalidade de advertência por escrito quando atendidos a todos os critérios objetivos e subjetivos do artigo 267 do CTB, destaco a opinião do advogado Marcelo José Araújo que em sua obra “Trânsito Questões Controvertidas”, pág. 128 ao explicar sobre o artigo 267 afirma que “Entendemos dispensável a explicação de que o verbo poderá reveste-se de deverá nesse caso”.
Para realçar essa convicção, o renomado autor Julyver Modesto de Araújo em seu livro Poder de Polícia Administrativa de Trânsito pág. 154 cita as palavras do Desembargador Arnaldo Rizzardo para o qual “se nada consta nos registros contra o condutor ou proprietário, e satisfeitos os demais elementos, há obrigatoriedade em proceder à substituição, posto que se erige em direito consagrado no CTB”.
Gostaria de frisar que não vejo como obrigatória a aplicação da penalidade de advertência por escrito de ofício, pois trata-se de um direito subjetivo do infrator, cabendo a este provocar a Administração Pública quanto a esse direito.
A partir dos argumentos e referenciais destacados neste breve estudo é possível afirmar que havendo a solicitação da parte interessada no período de defesa da autuação e atendidos a todos os critérios objetivos e subjetivos previstos no artigo 267 do CTB a autoridade de trânsito deve aplicar a penalidade de advertência por escrito. Caso não o faça, deve motivar sua decisão para garantir o direito do contraditório e ampla defesa previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Uma vez que a não aplicação da penalidade de advertência por escrito não foi devidamente motivada pela autoridade de trânsito, concordo com o Parecer 141/2011 do CETRAN/SC de que a JARI não tem competência para transformar a penalidade multa em advertência por escrito por falta de previsão legal. Mas uma vez que o ato administrativo não foi devidamente motivado, torna-se nulo e portanto, cabe a JARI arquivar a respectiva multa imposta.
Para aqueles que são contra a aplicação da penalidade de advertência por escrito, entendo que cabe ao Congresso Nacional alterar a Lei 9.503/97, excluindo então essa penalidade. Mas enquanto isso não ocorre, cabe aos órgãos de trânsito darem o exemplo a sociedade e cumprir o que a lei determina. Pois, com que moral podemos exigir que o condutor cumpra a lei, se nem o órgão de trânsito cumpre.
Um professor me ensinou que o infrator tem o direito de ser punido corretamente e o órgão de trânsito a obrigação de respeitar esse direito e aplicar a penalidade que a lei estabelece. Chega de desculpas e vamos aplicar a penalidade de advertência por escrito a quem de direito.
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