Essa é uma pergunta que exige, assim como em todos os assuntos relacionados ao trânsito, de um estudo feito por equipe multidisciplinar (responsáveis pela engenharia de tráfego, sinalização, agentes de trânsito, psicólogos especialistas em comportamento humano no trânsito, educadores de trânsito), mas que também não é tão difícil assim de se responder. Basta algumas horas de observação do comportamento e das práticas de motoristas e pedestres em pontos específicos da cidade para se constatar alguns indicativos.
Escolha um local onde há faixas de pedestres e observe a relação entre as pessoas e os veículos. A precipitação e a falta de autocuidados são alguns dos principais fatores, mas a distração e a pressa parecem explicar muita coisa.
A pressa e a distração costumam ser típicas de motoristas e pedestres, com a diferença que os pedestres apressados não se esbarram e não se xingam nas calçadas tanto quanto os motoristas. Pedestre apressado não respeita sinalização: atravessa no sinal vermelho dos semáforos para veículos e nas sinaleiras para pedestres, mas cobra veementemente, e com razão, quando os condutores furam os sinais vermelhos do semáforo. O que não tira a razão dos motoristas quando algum pedestre também fura o sinal vermelho e atravessa na frente dos carros.
Assim como os motoristas, há pedestres que não têm paciência para parar na faixa e fazer uma travessia segura. Me refiro àqueles que se lançam sobre a faixa sem ter visibilidade, sem buscar o contato visual com os condutores, sem estender o braço para sinalizar a travessia, sem calcular a distância e a velocidade dos veículos. Mas, reclamam, e com razão, dos condutores que não reduzem a velocidade próximo às faixas de pedestres, que não param antes da linha de retenção, que param em cima da faixa ou que sequer param, e prosseguem no ritmo e na velocidade a quem vinham. Só que tais pedestres também perdem a razão quando fazem a mesma coisa.
É óbvio que existe uma enorme diferença entre o risco de dano e o dano propriamente dito causado a um pedestre por um veículo dada a fragilidade do corpo humano, principalmente em acidente de trânsito. Mas, há casos – os tribunais já vêm decidindo isso – em que o pedestre contribui, e muito, como causador do acidente. E, independente, de quem o tenha provocado, sempre quem leva a pior é a parte mais fraca: o pedestre.
Um simples exercício de observação nos permite enxergar as causas do problema mais de perto: veículos que furam o sinal vermelho e pedestres que fazem a mesma coisa; condutores distraídos e apressados que não demonstram a intenção de reduzir e parar para o pedestre, e pedestres distraídos e apressados, que não tomam as devidas cautelas e atravessam na frente dos carros acreditando que “vai dar”. O resultado das imprudências e negligências de cada um é o atropelamento ou outros tipos de colisões, como a colisão traseira, o abalroamento longitudinal ou até mesmo o choque com o meio fio na tentativa do condutor de tentar evitar o atropelamento.
O fato de ser atropelado em cima da faixa nem sempre significa culpa ou responsabilidade exclusiva de um só: temos que considerar o conjunto de atitudes, de comportamentos e de práticas de um e de outro, de motorista e de pedestres, pois se o motorista supostamente falhou em não sinalizar, em não reduzir e em não parar, o pedestre também pode ter falhado em não calcular a distância e a velocidade do veículo.
Pode ter falhado em não observar com cautela se vinha alguma moto trafegando no corredor entre os carros parados.
Nem sempre o fato de um condutor ter parado e ligado o pisca-alerta para a travessia das pessoas na faixa, significa que o que vem trafegando na pista ao lado fará o mesmo, e aí é onde entra a percepção e os autocuidados do pedestre. Nestes casos, atravessar a faixa com a mão estendida aumenta a probabilidade de ter uma pequena parte de seu corpo (a mão e o braço) vista pelo outro motorista.
Atravessar a faixa correndo pode até dar a sensação de que é mais seguro e de que vai ficar menos tempo exposto ao perigo, mas é uma falsa sensação de segurança, pois ao atravessar correndo o foco da atenção do pedestre está no outro lado da faixa, desviando do olhar do condutor e da aproximação dos veículos.
Outros fatores em comum a pedestres e motoristas e que torna a responsabilidade solidária para a ocorrência de acidentes é a corrida contra o tempo, o ritmo da vida moderna, as consequências de agendas lotadas, os compromissos difíceis de cumprir, ou até a mesmo a cabeça quente com algum problema profissional ou pessoal. O fato é que o que somos na vida repercute no trânsito.
Muitas brigas de trânsito que acabam em ataques de fúria e até em mortes são provocados, na maioria das vezes, por agressividade represada em que um estranho no trânsito passa a ser o motivo da despressurização e de descarga de estresse.
O comportamento, as práticas e as atitudes das pessoas no trânsito são determinantes para evitar acidentes, mas o grande desafio do século 21 e para as gerações futuras está em saber como lidar com a correria e a pressão do dia a dia. Na maioria das vezes, pedestres e motoristas sabem o que fazer e como fazer para ter autocuidados, mas não deixam de fazer o que deve ser feito por conta do modo como lidam com as pressões da vida moderna.